segunda-feira, 14 de abril de 2014

BARRA PESADA: Empresários brasileiros fora do país precisam enfrentar bandidos e até guerrilheiros para realizar seu trabalho. Conheçam um caso concreto


Ricardo Setti

Mercenários franceses e sérvios em ação na África: elemento comum na paisagem de países conturbados (Foto: Cobris / Sygma)
Mercenários franceses e sérvios em ação na África: elemento comum na paisagem de países conturbados (Foto: Cobris / Sygma)
Por razões de família, estou em Barcelona. Aqui, recebi um telefonema de um conhecido, empresário brasileiro há muitos anos atuando no exterior, especialmente — mas não apenas — na África. Queria se encontrar comigo para saber notícias do país.
Fui encontrá-lo no Hotel Rey Juan Carlos I, não novinho em folha, mas ainda muito luxuoso. Estava em conferência com funcionários e assessores e interrompeu para tomarmos um café demorado.
Vejam só a tarefa que ele tem diante de si.
Uma multinacional de petróleo precisa levar um equipamento de alta tecnologia para Cabinda, a região de Angola riquíssima em petróleo, que fica encravada no Congo e separada do restante do país por uma estreita faixa de território congolês.
Ocorre, porém, que o porto de Cabinda não tem calado suficiente para navios de porte.  É, pois, necessário que o material, que sairá do porto de Barcelona, seja descarregado em um determinado porto do Congo — país imenso, riquíssimo em recursos minerais mas com um nível miserável de vida, que se encontra há anos à deriva, com um governo que não controla nada e à mercê de senhores da guerra, bandoleiros e a sanha de variados interesses estrangeiros.
O primeiro problema a resolver, diante disso, foi localizar, encomenda e alugar, na Alemanha, containers especiais para o transporte do material — são containers anti-bomba, capazes de resistir a impactos muito poderosos.
O segundo problema será a viagem a ser feita, por terra, desse porto até o território de Cabinda, atravessando terreno muito perigoso no Congo. Além da desordem que vigora no país, há guerrilheiros por ali — apesar de oficialmente tenham deposto as armas, militantes da Frente de Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC) ainda dão trabalho.
O empresário brasileiro, então, vai precisar de proteção para o transporte da encomenda — e, numa terra de ninguém como aquela, a última coisa em que se pensa é pedir algum tipo de proteção ao caótico governo do presidente Laurent Kabila. Ali, proteção chama-se mercenários. Sim, ex-soldados experientes, dotados de armamento poderoso e dispostos, se necessário, a arriscar a vida e a matar. No caso, mercenários australianos, a cujos serviços ele já precisou recorrer anteriormente, para outra empreitada.
Mercenários são algo inteiramente natural e frequente na paisagem dos países africanos mais convulsionados. A maioria vem da ex-Iugoslávia — sérvios, croatas, bósnios, kosovares, gente que já travou guerras duras nos anos 90 e hoje vende sua expertise nessa área sinistra. Existem, porém, soldados profissionais de outros países, que decidiram deixar seus uniformes, vestir outros, correr mais riscos e ganhar mais dinheiro, e entraram para a carreira. Muitos deles fazem contatos com interessados por meio da revista especializada Soldiers of Fortune.
Mesmo com mercenários, havia, para o empresário brasileiro, muito em risco — o material em questão vale mais de 10 milhões de dólares. Assim sendo, ele preparava, com especialistas, um levantamento da área a ser percorrida em terra por meio de drones, pequenos aviões não tripulados, dotados de câmeras de alta definição.
Quanto nos despedimos, ele dava tratos à bola, além de tudo, sobre quantas viagens fazer com a carga: de uma só vez, correndo o risco — na pior das hipóteses — de perder todo o material? Fazer diversas viagens, correndo, assim, várias vezes o mesmo risco?
Se tudo der certo, a empresa desse brasileiro vai ganhar honorários respeitabilíssimos. Vejam só, porém, o trabalho e o tamanho do stress que a tarefa toda estão requerendo.

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