segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Vida em Cuba- Além dos números

Dois jovens sorridentes explicam num anúncio televisivo as vantagens do Censo Populacional e Moradia 2012. Falam da necessidade de se ter estatísticas atualizadas e confiáveis sobre a nossa sociedade. Para finalizar o breve spot dizem, em coro, uma frase onde se afirma que “de15 a 24 de setembro contamos todos em Cuba”. A qual invariavelmente leva o espectador a refletir que nos contar não é o mesmo que contar conosco. Porém mais além dos “atos falhos” que ficam evidentes na linguagem oficial, a preocupação nos chega por outro caminho. Nós cubanos desconfiamos das inspeções, temos uma desconfiança marcante das contagens e das averiguações no interior das nossas casas. Temos uma existência dividida entre uma zona legal – e pública – e outra cheia de ilegalidades para sobreviver. Essa é a explicação principal do motivo pelo qual nem sempre recebemos as pesquisas com prazer.
Em outras condições um censo não deveria nos preocupar, mas sim nos alegrar. Pois se trata de uma ferramenta estatística que provê a cidadania com dados sobre si mesma. Número de habitações, quantidade de habitantes de um ou outro gênero e índice de crescimento populacional… E assim muitas outras cifras que revelam ganhos e deficiências de uma nação. Contudo, no caso do nosso país é muito difícil separar um simples inventário do conseqüente controle estatal gerado pelo mesmo. É impossível delimitar uma pesquisa - por mais ingênua e anônima que pareça – da sua mais temida contraparte: a vigilância. Especialmente em relação aos objetos e recursos de “procedência duvidosa” que ponteiam nosso dia a dia. Daí que boa parte dos cubanos acabará mentindo em muitas das perguntas que os recenseadores farão e outro tanto nem sequer deixará ser recenseado. Os resultados finais serão então uma mistura de aproximações, omissões e falsidades feitas por muitos entrevistados para não revelar a realidade de quem são ou o que possuem.
Depois de indagar vários amigos e vizinhos corroborei que a gente não está disposta a confessar tudo que a Oficina Nacional de Estatísticas quer saber. Uma amiga que pôde arrumar a sua casa com os ganhos da venda ilegal de roupa, explica-me como fará: “Vou enfiar no quarto a televisão de tela plana e direi ao menino que esconda o laptop”, afirma sem ruborizar. Para afirmar imediatamente: “Quando me perguntarem do que vivemos lhes direi que é dos 420 pesos cubanos mensais (menos do que 20 USD) que meu marido ganha”. “Ha… E se quiserem averiguar qual a marca do meu refrigerador aí sim vou mentir dizendo que é Haler… Mesmo que da sala se possa ler o logotipo LG”.

O mais complicado para ela, porém, será pedir ao seu irmão, a esposa deste e a sua menina pequena que tratem de não estar em casa nesses dias para que não os vejam, porque os três vivem sem documentos em Havana. Quando o recenseador sair de sua casa de certo terá uma idéia muito diferente do nível e do tipo de vida da minha amiga astuta. E isso é precisamente o que ela quer que pensem: que o verde é vermelho, pouco é muito e agora quando é amanhã. Porque desde pequena lhe ensinaram que dizer a verdade é se marcar e dar informação ao Estado é se inculpar.
Tradução e administração do blog em língua portuguesa por Humberto Sisley de Souza Neto
Yoani Sánchez

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